O Porto de Santos tem vivido um cenário que, para muitos, é contraditório. Ele encerrou o ano passado com uma movimentação recorde de 119,9 milhões de toneladas, o que representou um aumento de 7,9% sobre o resultado de 2014, segundo dados da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp). Mesmo as operações de contêineres, mais afetadas pela recessão econômica brasileira, fecharam em alta. Em unidades, o crescimento foi de 1,5%, chegando a 2,4 milhões, conforme o mesmo levantamento.
Mesmo assim, o complexo marítimo tem sentido os reflexos da crise, especialmente em seu mercado de trabalho. Em 2015, mais de 1.400 demissões ocorreram no setor, especialmente nos terminais que operam contêineres. E na última semana, uma dessas instalações, a Libra Terminais, “cortou” mais 100 profissionais.
Esse cenário, porém, nada tem de incoerente. E pode ser explicado ao se analisar três fatores: as mudanças que aconteceram no setor de contêineres (onde a maioria dos desligamentos tem ocorrido), a própria movimentação de cargas e as modificações sofridas no mercado da navegação.
Nos últimos anos, as operações de contêineres no Porto têm sido redistribuídas entre os terminais especializados. Até 2013, o complexo contava com quatro instalações dedicadas a esse tipo de operação: o Terminal de Contêineres (Tecon), as unidades do Grupo Libra, o terminal do Grupo Rodrimar e o Ecoporto Santos. Nesse ano, porém, mais dois players iniciaram suas atividades na região, a Brasil Terminal Portuário (BTP) e o Terminal Embraport, levando a uma readequação do mercado.
Conforme dados da Docas, em 2013, o Tecon respondeu por 52% das operações, o T-37 e o T-35 (Libra) chegavam, juntos, a 19%, o Ecoporto a 14% e a unidade do Grupo Rodrimar a 5%. A participação da Embraport tinha sido de 6% e a da BTP, 3%. Em 2015, o cenário era outro: o Tecon teve um marketshare de 34%, as unidades da Libra, 13%, o Ecoporto, 4%, e a instalação da Rodrimar, 1%. Já Embraport e BTP passaram a operar 16% e 31%, respectivamente.
A redistribuição do mercado de contêineres - com os consequentes impactos nos negócios - estava até prevista. A surpresa foi esse processo ocorrer simultaneamente ao agravamento da economia brasileira, explica o presidente da Federação Nacional dos Operadores Portuários (Fenop) e consultor portuário, Sérgio Aquino.
“As empresas já sabiam que iriam passar por essa reade-quação. Afinal, com a entrada desse dois grandes players, a capacidade operacional do Porto para contêineres praticamente dobrou. Todos sabiam que haveria um impacto, mas contavam com uma economia forte para se recuperar, o que não ocorreu”, afirma o presidente da Fenop.
Nesse cenário, surge o segundo fator a afetar as empresas do Porto, as recentes mudanças sofridas no setor de navegação.
“Por um lado, os armadores estão firmando parcerias, a fim de reduzir custos e linhas. E por outro, há uma maior oferta de espaço (para operações de contêineres) em Santos. Se antes os terminais tinham um maior poder para negociar, hoje, nesse jogo de negociação, a gangorra virou para o lado do armador de forma absurda. Assim, para reter seus serviços, os terminais tiveram de reduzir seus preços, afetando o faturamento”, destaca Aquino.
Importações e exportações
Nesse cenário, ainda há o impacto da própria crise econômica brasileira. Com a desvalorização do real e a consequente alta do dólar, as importações diminuíram e as exportações estão em alta. É uma boa notícia para os terminais de grãos, mas não tão positiva para os de contêineres, que sempre tiveram nas cargas importadas uma de suas operações mais rentáveis – os contêineres desembarcados, muitas vezes, são armazenados nessas empresas aguardando a liberação das autoridades, gerando uma fonte de receita, enquanto na exportação, a mercadoria não fica tanto tempo armazenada.
“Você pode ver os números do Porto em alta e a quantidade de contêineres pode até aumentar. Mas, no geral, o que mais está crescendo no Porto são operações que não remuneram tanto. O que gera mais receita são os contêineres cheios de importação. Mas o que está em expansão mesmo é o granel, que não demanda tanta gente na operação, ou as cargas de cabotagem (transportadas em navios ao longo da costa) e transbordo (desembarcadas para posterior reembarque), que não remuneram tanto assim”, cita Sérgio Aquino.
“Então você tem esses três fatores ocorrendo em um mesmo momento e em um período de tempo muito curto. Com isso, a margem de lucro dos terminais de contêiner despencou e vieram as demissões, que atingiram tanto os trabalhadores, como sabemos, como os próprios executivos”, relata o consultor.
Aquino cita que, nesse cenário, “houve uma empresa que cortou no setor operacional e eliminou uma diretoria inteira, de modo a reduzir custos. Se antes havia um executivo para cuidar de um porto, outro para tratar de outro porto e um terceiro para o retroporto, hoje, há uma única pessoa para fazer tudo isso. Esse é um momento difícil, especialmente no mercado de trabalho. Há uma redução de quantidade e se concentra a qualidade”.
Fonte: A Tribuna- porto & Mar